Último ano

Era Ano Novo quando pela primeira vez fizemos bolo juntas. Chocolate com cobertura de chocolate. O que nós mais gostávamos: chocolate.

Lembro-me de sentar na cadeira, te olhar enquanto você esperava ansiosamente os fogos. Pude reparar no fundo dos seus olhos que você sentia que poderia ser o seu último e precisava admirar as cores logo.  

Em seguida, fitei o chão, o gramado e tudo o que estava ao redor. Aquela chácara teve história, mas você sabia que o resumo dela era sobre eu e você. Eu queria recordar-me daquele momento. Poderia realmente ser um ano novo com todas as possibilidades, com toda a felicidade e com todo o amor do mundo, e eu queria isso para você. Sempre desejei. 

De repente, a Dalla deitou-se no meio de nós, atrapalhando os meus pensamentos. Ela olhou como se esperasse algo. Eu a entendia. Eu também esperava.

Meia noite, fogos e abraços de feliz ano novo.
Eu acreditei.

No outro dia, continuávamos a conversar sobre fazer bem casados. Uma saída de emergência para resolver os problemas. Você achou que teria tempo. Eu também achei. Mas no fundo sabíamos que aquele plano nunca iria acontecer. 

Hoje, luto todos os dias com a sua ausência que grita. Penso nas razões que nos levaram pela primeira vez em vinte e dois anos a fazer um bolo. Nós, que mal cozinhávamos, planejamos um almoço memorável de fim de ano.  

A vida tem um jeito estranho de planejar despedidas. 

Mas nunca imaginei me despedir de você. Muito menos, fazer o primeiro e o último bolo ao seu lado.  



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